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Presidência da República |
MENSAGEM Nº 762, DE 8 DE OUTUBRO DE 2008.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei no 533, de 2003 (no 7.161/06 na Câmara dos Deputados), que “Dispõe sobre o Sistema de Consórcio”.
Ouvidos, o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
§ 4º do art. 5º
“Art. 5o ......................................…………..…………..........
§ 4o A administradora de consórcio não responderá em nome próprio, ou com seu patrimônio, pelas obrigações pecuniárias de responsabilidade do grupo de consórcio, ressalvadas as hipóteses de gestão negligente, temerária ou fraudulenta.
....................................................................................................”
Razão do veto
“A Constituição é particularmente voltada à proteção dos direitos do consumidor. Com efeito, o inciso XXXII, do art 5o, determina que ‘o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor’. Igualmente, dispõe o art. 170, caput e seu inciso V: ‘a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do consumidor’.
O § 4o do art. 5o impõe evidente restrição à responsabilidade objetiva das administradoras de consórcio, estando em desarmonia com o sistema de defesa do consumidor, que tem origem constitucional e traz regras de ordem pública e de interesse social, conforme art. 1o do Código de Defesa do Consumidor. Daí porque tal dispositivo merece receber o veto presidencial.”
Já os Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Justiça opinaram pelo veto ao dispositivo a seguir transcrito:
Art. 9o
“Art. 9o O Poder Executivo fica autorizado a constituir entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar mecanismo de proteção a titulares de cotas de grupos de consórcio, quando decretada intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de administradora de consórcio.
Parágrafo único. O regulamento do mecanismo de que trata este artigo deverá dispor, no mínimo, sobre:
I – situações capazes de acionar o mecanismo de proteção;
II – créditos que serão protegidos e respectivos limites;
III – política de aplicação dos recursos financeiros da entidade, inclusive critérios de composição e diversificação de riscos;
IV – forma e época de pagamento dos créditos protegidos;
V – limites de responsabilidade da entidade em relação ao seu patrimônio;
VI – definição do exercício social, elaboração de demonstrações financeiras e respectiva auditoria e publicação e relatório de atividades.”
Razão do veto
“O art. 61, § 1o, ‘e’ da Constituição impede a criação de órgão, e, por conseqüência, de entidade da Administração sem que a iniciativa legislativa seja do Poder Executivo. Ainda que o dispositivo tenha caráter autorizativo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o vício de inconstitucionalidade formal é insanável pela sanção (ADI 700/RJ, ADIn 266/RJ, ADI 3.177/AP).”
Por sua vez o Ministério da Justiça propôs veto aos seguintes dispositivos:
§ 2o do art. 10
“Art. 10. .................................................................................
§ 2o Caso seja o contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, ou a proposta de adesão assinados, em conjunto ou separadamente, fora do estabelecimento da administradora, o contratante ou proponente poderá dele desistir, no prazo de 7 (sete) dias, contado de sua assinatura, desde que não tenha participado de assembléia de contemplação, devendo-se:
I – eliminar qualquer vínculo do contratante ou proponente com o grupo de consórcio;
II – restituir-lhe as importâncias pagas a qualquer título, acrescida dos rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos os recursos dos consorciados enquanto não utilizados, no prazo de até 3 (três) dias úteis, contados da data da formalização da desistência.”
Razão do veto
“O § 2o do art. 10 estipula o prazo de 7 dias para a desistência do contrato que foi firmado fora do estabelecimento comercial. Entretanto, caso o consorciado tenha participado de assembléia de contemplação, não poderá exercer seu direito de arrependimento.
O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor assegura um prazo legal de 7 dias para que o consumidor manifeste sua intenção de desistir do contrato. Referido dispositivo inovou o ordenamento jurídico pátrio e instituiu um prazo obrigatório para a reflexão a respeito do negócio realizado. O direito de arrependimento constitui uma importante faculdade do consumidor, sendo inadmissível a imposição de condição para o seu pleno exercício. Daí porque também se recomenda o veto do dispositivo.”
Art. 29, §§ 1º, 2º e 3º do art. 30 e incisos II e III do art. 31
“Art. 29. Será considerado participante excluído, independentemente de notificação por parte da administradora ou interpelação judicial ou extrajudicial, desde que não tenha sido contemplado, o consorciado que não quiser permanecer no grupo ou que deixar de cumprir as obrigações financeiras na forma e condições estabelecidas em contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão.
Art. 30. .................................................................................
......................................................................................................
§ 1o A restituição de que trata o caput será efetuada somente mediante contemplação por sorteio nas assembléias, observadas as mesmas condições, entre os excluídos e os demais consorciados do grupo.
§ 2o O consorciado excluído somente fará jus à restituição de que trata o caput se desistir após o pagamento de sua quinta parcela de contribuição ao grupo, inclusive.
§ 3o Caso o consorciado excluído não atenda ao requisito do § 2o, será restituído do valor a que tem direito na forma do art. 31.
Art. 31. ..................................................................................
.......................................................................................................
II – aos participantes excluídos, que o saldo relativo às quantias por eles pagas, ainda não restituídas na forma do art. 30, se encontra à disposição para devolução em espécie;
III – aos demais consorciados e participantes excluídos, que os saldos remanescentes no fundo comum e, se for o caso, no fundo de reserva estão à disposição para devolução em espécie proporcionalmente ao valor das respectivas prestações pagas.”
Razão do veto
“O art. 29 permite a exclusão do consorciado que não quiser permanecer no grupo ou que deixar de cumprir as obrigações financeiras na forma e condições estabelecidas em contrato de participação, independentemente de notificação por parte da administradora ou interpelação judicial ou extrajudicial.
A notificação prévia ao consorciado assegura o direito básico à informação, conforme art. 6o, III da Lei no 8.078, de 1990, e a possibilidade de adimplemento da obrigação, evitando a rescisão contratual e, conseqüentemente, a exclusão do consorciado. A observância do direito à informação é, ainda, uma exigência do princípio da boa-fé nas relações contratuais.
É obrigação da administradora de consórcio manter o consumidor permanentemente informado sobre todos os aspectos da relação contratual, principalmente quando o que está em risco é a rescisão do seu contrato e a sua eliminação do grupo de consorciados.
Os §§ 1o, 2o e 3o do art. 30 e os incisos II e III do art. 31 da proposição tratam da devolução dos valores pagos ao participante excluído. A redação do projeto impõe ao excluído do consórcio duas possibilidades para restituição das quantias vertidas: ser contemplado em assembléia ou ser restituído 60 dias após a data da realização da última assembléia.
Nesse contexto, os dispositivos citados afrontam diretamente o artigo 51, IV, c/c art. 51, § 1o, III, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem regra geral proibitória da utilização de cláusula abusiva nos contratos de consumo. Com efeito, embora o consumidor deva arcar com os prejuízos que trouxer ao grupo de consorciados, conforme § 2o do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, mantê-lo privado de receber os valores vertidos até o final do grupo ou até sua contemplação é absolutamente antijurídico e ofende o princípio da boa-fé, que deve prevalecer em qualquer relação contratual.
Ademais, a inteligência do Código de Defesa do Consumidor é de coibir a quebra de equivalência contratual e considerar abusiva as cláusulas que colocam o consumidor em ‘desvantagem exagerada’, tal como ocorre no caso presente. A devolução das prestações deve ser imediata, sob pena de impor ao consumidor uma longa e injusta espera.
Por estes motivos, sugere-se o veto dos arts. 29, §§ 1o, 2o e 3o do art. 30 e incisos II e III do art. 31.”
Art. 37
“Art. 37. Os valores que, a partir da vigência desta Lei, forem classificados como recursos não procurados, se não reclamados no prazo de 5 (cinco) anos a contar de sua caracterização, devem ser transferidos para a entidade privada a que se refere o art. 9o.”
Razão do veto
“O art. 37 prevê que os recursos não procurados serão, após 5 (cinco) anos, destinados à entidade privada prevista no art. 9º. Ocorre, no entanto, que o art. 9º é objeto de veto, motivo pelo qual não se justifica a permanência da regra de destinação em questão.”
Art. 41
“Art. 41. Qualquer pessoa natural ou jurídica que atuar como administradora de consórcio ou oferecer plano ou negócio disciplinado nesta Lei sem prévia autorização do Banco Central do Brasil estará sujeita a multa de até 100% (cem por cento) do total de valores recebidos e a receber de terceiros em razão do plano ou negócio e à pena de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, ficando a esta sujeitos, quando pessoa jurídica, seus diretores e administradores.
Parágrafo único. Incorre também nas sanções previstas neste artigo quem prometer publicamente, sem autorização competente, realizar operações regidas por esta Lei, ainda que sob outra denominação.”
Razão do veto
“A pena de 4 a 8 anos de reclusão para quem atua como administrador de grupo de consórcio sem autorização do Banco Central do Brasil não guarda qualquer coerência com relação à imputação de pena de outros tipos de nosso sistema. Tomando-se como parâmetro os crimes contra as finanças públicas (arts. 359-A a 359-H do Código Penal), verifica-se que entre eles não há nenhum crime apenado com mais de 4 anos de reclusão. Além disso, as penas previstas para os crimes de homicídio culposo (§ 3o do art. 121 do Código Penal), indução ao suicídio (art. 122 do Código Penal) e abandono de incapaz (art. 133 do Código Penal) são todas inferiores à pena prevista no art. 41 da proposição. Em virtude desta evidente desproporcionalidade entre o delito tipificado no art. 41 e a pena para ele prevista, propõe-se o veto a tal dispositivo.”
Ouvidos, também, os Ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 47
“Art. 47. Os incisos V, VI e VII, do art. 20, da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 20. .................................................................................
........................................................................................................
V – pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) ou de contrato de participação de grupo de consórcio para aquisição de imóvel, desde que:
a) o mutuário ou consorciado conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;
.......................................................................................................
VI – liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário ou decorrente de participação em grupo de consórcio de imóvel, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no âmbito do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada movimentação;
VII - ....................................................................................
.......................................................................................................
c) por consorciado, para ofertar lance ou complementar o valor do crédito atribuído para aquisição de bem imóvel através do sistema de consórcio;
...................................................................................’ (NR)”
Razões do veto
“A matéria em questão encontra-se em parte regulamentada por meio da Resolução no 541/2007, do Conselho Curador do FGTS, que possibilita a utilização do saldo da conta vinculada, por seu titular, como ‘lance’ na obtenção de ‘Carta de Crédito’ em consórcios imobiliários habitacionais. Permite, ainda, o uso desses saldos como complementação do valor da ‘Carta de Crédito’ no ato da aquisição o imóvel. Entretanto, a ampliação do uso de recursos do FGTS com a possibilidade de uso desses recursos para pagamento das prestações do consórcio e para liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor decorrente de participação em grupo de consórcio de imóvel representaria um volume de recurso significativamente maior o que tenderia a reduzir os recursos que o FGTS dispõe para financiamento de moradia própria no âmbito do SFH, em especial para população de baixa renda, bem como dificultaria o financiamento de projetos de infra-estrutura urbana e saneamento básico, que constituem a finalidade primária do FGTS.”
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Este texto não substitui o publicado no DOU de 8.10.2008