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Presidência
da República |
DECRETO Nº 92.684, DE 19 DE MAIO DE 1986.
Declara a área rural do Estado de Rondônia como zona prioritária para efeito de execução e administração da reforma agrária, e dá outras providências. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os artigos 81, item III, e 161, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964,
DECRETA:
Art. 1º Fica declarada como zona prioritária, pelo prazo de cinco anos, para efeito de execução e administração da reforma agrária, a área rural do Estado de Rondônia.
Art. 2º As desapropriações somente poderão recair sobre latifúndios como tais conceituados em lei, ou imóveis rurais cuja forma de exploração contrarie o interesse social.
Art. 3º A quantidade de áreas a serem desapropriadas não ultrapassará a prevista no Plano Regional de Reforma Agrária, anexo a este Decreto.
Parágrafo único. Para os fins do art. 161 da Constituição, somente por decreto do Poder Executivo será declarada de interesse social o imóvel rural que se encontrar na zona prioritária.
Art. 4º Fica instituída a Comissão Agrária no Estado de Rondônia, integrada pelos seguintes membros a serem designados pelo Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário:
I - um servidor do INCRA, que a presidirá;
II - três representantes dos trabalhadores rurais;
III - três representantes dos proprietários rurais;
IV - um representante de entidade pública vinculada à agricultura; e
V - um representante de estabelecimento de ensino agrícola.
Parágrafo único. Os membros a que se refere os itens I, IV e V serão indicados pelo Presidente do INCRA; os demais serão indicados, respectivamente, pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura e pela Federação da Agricultura, com base territorial no Estado.
Art. 5º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 19 de maio de 1986; 165º da Independência e 98º da República.
JOSÉ SARNEY
Nelson
Ribeiro
Este texto não substitui o publicado no DOU 20.5.1986
I. JUSTIFICATIVA
O Estado de Rondônia, embora de ocupação relativamente recente e a despeito dos vários projetos de colonização empreendidos pelo INCRA - cuja característica saliente é dar acesso à terra a pequenos produtores - apresenta estrutura fundiária com elevada concentração da propriedade.
Grandes áreas ociosas coexistem com a intensa migração de milhares de famílias que buscam terras para trabalhar, determinando alta taxa de crescimento demográfico e provocando conflitos pela posse da terra.
Essas características estão, em parte, ligadas ao próprio processo de ocupação de Rondônia. No período colonial as missões jesuítas espanholas, explorando ouro e outros minerais nos vales do Guaporé e Mamoré; despertaram a atenção da Coroa Portuguesa, que determinou imediata penetração de bandeiras no Guaporé, com grupos partindo de Belém e Cuiabá, alternadamente.
A intensificação da ocupação ocorreu com o primeiro ciclo da borracha, em fins do século XIX, através de migrantes nordestinos. Registraram-se então grave conflitos de terras de âmbito internacional, em razão de brasileiros ocuparem terras bolivianas que vieram a formar o atual Estado do Acre.
Um segundo ciclo de ocupação deve-se a migrantes, dessa feita também europeus, que vieram construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, iniciada em 1904 e concluída em 1912, possibilitando o aparecimento ou crescimento de núcleos urbanos como Porto Velho, Guajará-Mirim, Abunã, Mutum-Paraná e Jaci-Paraná.
No período compreendido entre 1920 e 1940, ocorreu terceiro ciclo migratório estimulado pela implantação do sistema de comunicação telegráfica entre Mato Grosso e Amazonas, trabalho sob responsabilidade do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.
Outros importantes momentos de ocupação mobilizaram grandes contigentes migratórios para a região. A Segunda Guerra Mundial trouxe novas levas de nordestinos, os "soldados da borracha", reativando os seringais de quase todas as bacias hidrográficas. A extração mineral, mais conhecida como "ciclo da cassiterita", que durou de 1960 a 1971, trouxe inúmeros garimpeiros para as regiões do Ariquemes e Porto Velho. A abertura da antiga BR-29, hoje BR-364, iniciada em 1943 e liberada ao tráfego em 1968, influiu decisivamente no relacionamento de Rondônia com o resto do País. A colonização particular, iniciado em 1967-68 com a Colonização Calama S.A. em Ji-Paraná, teve seqüência com os projetos oficiais implantados pelo INCRA no período 1969-75, complementados pelos projetos de assentamento criados entre 1981 e 1983, em fase de maturação. A criação do Programa de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), com destaque para os programas de desenvolvimento rural integrado (PDRIs), e o afastamento da BR-364 conferiram a Rondônia a característica de "Portão da Amazônia", por onde passaram milhares de migrantes em busca de terras.
Há que registrar que os ciclos da borracha e a demarcação das terras do então Território contribuíram para a concentração da propriedade hoje existente em Rondônia, uma vez que aos seringalistas eram facilitadas enormes concessões de terras.
Na década de 60, notadamente nos anos de 1967-68, - quando se deu o primeiro recadastramento de terras - o próprio governo federal, preocupado com os vazios demográficos da Amazônia, divulgou a existência de terras férteis no norte do País, enfocando especialmente o então Território Federal de Rondônia. Juntamente com essas políticas foram promovidas licitações com incentivos do governo federal, para atrair investimentos da média e da grande empresa. Foram licitados 606 lotes com área média de 2.000 ha, na Gleba Corumbiara, abrangendo os Municípios de Pimenta Bueno, Vilhena, Espigão D'Oeste, Colorado do Oeste, Cerejeiras e Rolim de Moura, onde houve grande concentração de terra, porque muito utilizaram-se de nomes de terceiros para adquirir mais terras. Da mesma forma foram licitados vários lotes na Gleba Garças, jurisdicionada ao Município de Porto Velho, via concorrências públicas, em 1972 e 1975. Na Gleba Burareiro, no Município de Ariquemes, 299 lotes foram adquiridos através de concorrências em 1977 e 1979 e mais de 100 nas Glebas Baixo Candeiras e Igarapé Três Casa, Município de Porto Velho.
Na atualidade, sobretudo ao longo da última década, o processo migratório intensificou-se acentuadamente. Como conseqüência direta, o Estado possui a mais elevada taxa anual de crescimento demográfico do País, cerca de 16%. Somente de janeiro a setembro de 1985 registrou-se entrada de 135.809 imigrantes. Levantamentos realizados estimam a existência de cerca de 40.000 famílias de agricultores sem terra no Estado de Rondônia.
Uma primeira conseqüência, que logo se faz notar é a explosão demográfica nos centros urbanos que crescem a um ritmo acelerado e já possuem cinturões de favelas. Ressalte-se que a maioria desses núcleos urbanos foi recentemente elevada à condição de município, com precária infra-estrutura. Como praticamente não há indústrias, a maioria depende da terra como meio de sobrevivência.
Outras conseqüências são os conflitos que ocorrem pela posse da terra, cujo índice vem aumentando a cada dia: em 1985 envolveram 60 imóveis e 7.926 famílias; em decorrência, somente este ano ocorreram 17 mortes no Estado.
Assim, justifica-se urgente aplicação dos dispositivos da reforma agrária no Estado, visando atingir os latifúndios improdutivos, constituídos desde os remotos ciclos da borracha até as épocas das licitações promovidas pelo próprio governo federal, nas décadas de 70 e 80, e que representam significativa superfície aproveitável e não-explorada.
Além de áreas ociosas da União, Rondônia possui centenas de imóveis rurais inexplorados ou mal-aproveitados, cujos proprietários visam apenas a valorização fundiária, inibindo, portanto, o acesso dos trabalhadores rurais ao meio de que necessitam para viver, impedindo o desenvolvimento econômico e social do Estado.
Outra justificativa importante para a implantação da reforma agrária refere-se à grande disponibilidade de terras, contrastando com a existência de famílias sem terra.
Indicadores do Cadastro de Imóveis Rurais de 1985 refletem a má distribuição da terra em quase todos os municípios rondonienses: 95% dos imóveis cadastrados possuem área inferior a 500 ha, representando 34% da superfície total dos imóveis, enquanto os 5% restantes, com áreas superiores a 500 ha, correspondem a 66% da superfície cadastradas, nos quais se verificam os maiores índices de terras inexploradas. Além disso, 92% das mil maiores propriedades rurais do Estado, dentre as 54.501 cadastradas, são classificadas como latifúndios por exploração. O percentual de terras aproveitáveis não-exploradas é de 63,4%.
Embora o Estado de Rondônia possua estoque de terras devolutas, a experiência local tem demonstrado que é preferível desapropriar latifúndios próximos das principais rodovias, sobretudo a BR-364 e adjacências, a implantar novos projetos de colonização em regiões isoladas, requerendo mais dispêndios com infra-estrutura.
Para os beneficiários de reforma agrária, essa perspectiva de assentamento traz inúmeras vantagens, inclusive por reduzir o risco de vida e oferecer facilidades para tratamento de doenças, além de melhores condições de desenvolvimento.
Outro fator importante associado à opção pela reforma é o rompimento do círculo vicioso que se cria com a implantação de projetos de colonização em regiões afastadas, os quais acabam por contribuir para a especulação imobiliária, ou seja, os latifúndios que se situam próximos aos projetos acabam valorizando-se às custas da infra-estrutura montada pelos projetos do INCRA (acesso, mão-de-obra, comércio, urbanização e outras).
II. OBJETIVOS E METAS
O PRRA-RO propõe-se promover melhor distribuição da terra, mediante modificação no regime de sua posse e uso, adequando-a as exigências de desenvolvimento do Estado através da eliminação progressiva do latifúndio e do minifúndio, de modo a permitir o incremento da produção e da produtividade, atendendo, em conseqüência, aos princípios de justiça social e do direito de cidadania do trabalhador rural.
Objetiva, especificamente:
a) facultar o acesso à terra às famílias de trabalhadores sem terra, notadamente de migrantes que vivem na condição de meeiros, empreiteiros, trabalhadores rurais, assalariados ou "bóias-frias";
b) incentivar a exploração racional de terras ainda ociosas numa região onde não se verificam catástrofes provocadas pelas intempéries (cheias, geadas, secas, etc.);
c) incorporar trabalhadores ao exercício da cidadania e à participação no sistema produtivo do Estado, evitando-se o êxodo rural mediante aumento da oferta de empregos diretos no campo e contribuindo para diminuir o crescimento desordenado das periferias urbanas;
d) impedir as invasões em propriedades particulares, reservas florestais dos projetos de assentamento, reservas biológicas e áreas indígenas, diminuindo a violência no campo;
e) promover o parcelamento racional do solo agrícola rondoniense, adequando-o ao verdadeiro desenvolvimento sócio-econômico do Estado.
Conforme estabelece o PNRA, o Estado de Rondônia tem como meta assentar 21.300 famílias no quadriênio 1986-89. Para o exercício de 1986 está previsto assentamento de 2.300 famílias.
III. ÁREA (ZONA) PRIORITÁRIA E ÁREAS DE AÇÃO
O § 2º do Artigo 161 da Constituição Federal e o inciso I do Artigo 34 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) determinam sejam delimitadas zonas ou áreas prioritárias para fins de reforma agrária.
Tendo em conta a gravidade e dimensão dos problemas gerados pela estrutura de posse e uso da terra - os quais tenderão a assumir caráter ainda mais agudo se medidas concretas não foram adotadas pelo poder público - considera-se zona prioritária para reforma agrária toda a extensão territorial rural do Estado.
Atingirão cerca de 85.000 hectares as áreas a serem desapropriadas no Estado para atender às metas fixadas para 1986. As áreas de ação e a localização das áreas desapropriáveis são determinadas em consonância com as diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária, aprovado pelo Decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985.
IV. PROGRAMAS DE AÇÃO
4.1 - Programa Básico: Assentamento de Trabalhadores Rurais
A reforma agrária ocorrerá em terras públicas que não tenham destinação específica e também via desapropriação daquelas em que não se observa o princípio da função social.
O Programa de Assentamento de Trabalhadores Rurais não visa apenas a redistribuição de terras; propõe-se a ser meio para atingir os objetivos de desenvolvimento da grande parcela de trabalhadores beneficiários da reforma.
A preparação dos projetos far-se-á através de processo participativo, considerando que a vivência dos trabalhadores rurais deve ser ponto de partida para o equacionamento de seus problemas. Assim, preconiza-se a participação de sindicatos, cooperativas e outras associações, de modo que o plano atenda às reais condições de implantação. Esta participação vinculará intrinsecamente os responsáveis pela elaboração do projeto e os técnicos encarregados da execução e acompanhamento, acelerando o acesso à terra e a promoção social do trabalhador rural, com menores custos e soluções mais adequadas à realidade local.
O Plano Regional de Reforma Agrária de Rondônia tem como principais diretrizes operacionais:
a) ocupação das terras públicas que foram objeto de discriminação e arrecadação e se encontram sem destinação específica, considerando características físicas como situação, solo, relevo, hidrografia etc.;
b) desapropriação de latifúndios improdutivos, prioritariamente em áreas de conflito e mais habitadas, com vistas ao assentamento de agricultores sem terra.
4.2 - Programas Complementares
i - Regularização fundiária
As diretrizes propostas para regularização fundiária em Rondônia são:
a) levar em consideração, além da propriedade familiar, as formas de exploração condominial da terra, dos recursos hídricos e florestais;
b) no reconhecimento de posse e na titulação, respeitar áreas de usufruto comum; a orientação se refere à demarcação de áreas que não pertençam a nenhum grupo familiar individualmente e que lhes sejam essenciais, como áreas de extrativismo vegetal, fontes d'água, pastagens naturais, igarapés e reservas de mata.
ii - Colonização
As principais ações a serem desenvolvidas no contexto do PRRA-RO, no âmbito do programa de colonização, são as seguintes:
a) intensificar o acompanhamento das atividades desenvolvidas, com apoio financeiro do POLONOROESTE, nos atuais projetos de colonização;
b) atualizar os levantamentos realizados com vistas à emancipação dos projetos integrados de colonização e assentamentos dirigidos, criados no período de 1970 a 1975; se necessário, realizar completo levantamento da situação dos projetos consolidados, propondo medidas para sua adequação ao PRRA;
c) orientar os projetos de colonização no sentido de permitir acesso regular aos mercados e intensificar a exploração de culturas perenes;
d) propiciar organização social aos parceleiros;
e) prestar assistência técnica aos parceleiros, como forma de apoio à exploração agrícola racional de suas parcelas.
V. INFRA-ESTRUTURA BÁSICA, AÇÕES DE APOIO E ESTIMATIVA DE CUSTOS.
A infra-estrutura necessária aos assentamentos compreenderá, basicamente, estradas de acesso, habitações e obras comunitárias. Os serviços de apoio à produção e bem-estar social incluem ações nas áreas de crédito rural, assistência técnica, difusão de tecnologia, saúde e educação.
As terras obter-se-ão via desapropriação por interesse social, quando não se utilizarem áreas devolutas. No primeiro caso, por imposição constitucional, o poder público deverá indenizar o valor das terras desapropriadas com títulos da dívida agrária (TDA). A fixação do valor a ser indenizado, contudo, pode depender de laudos, avaliações e pronunciamento do Judiciário, e por isso é virtualmente impossível definir a priori o volume de recursos (em TDA) necessários.
Assim os recursos estimados para execução deste plano em 1986 limitam-se aos indispensáveis para fazer face a dispêndios com indenizações de benfeitorias em áreas desapropriadas, ações de redistribuição de terras (seleção de imóveis, vistorias, perícias, demarcações, assentamentos, administração), infra-estrutura básica (estradas de acesso, habitações e obras comunitárias), saúde, educação, assistência técnica, extensão rural, armazenagem, crédito (investimento e custeio).
Caberá ao MIRAD adotar medidas necessárias visando garantir disponibilidade de TDA para que se atinjam as metas fixadas.
As necessidades de recursos (exclusive desapropriações de terras) são apresentadas no quadro a seguir.
PRRA-RO - ESTIMATIVA DOS CUSTOS (*) - (1986)
(Cz$ mil)
DISCRIMINAÇÃO |
CUSTO ESTIMADO |
||
Indenização de benfeitorias e ações de redistribuição de terras |
55.352,1 |
||
Infra-estrutura básica |
64.707,2 |
||
Saúde |
4.876,4 |
||
Educação |
2.959,5 |
||
Assistência técnica e armazenagem |
10.498,7 |
||
Crédito rural: |
37.542,0 |
||
- investimento |
25.223,0 |
|
|
- custeio |
12.319,0 |
|
|
Total |
175.935,9 |
||
(*) Excluídos custos de obtenção de terras via desapropriação.
Com base nos dados apresentados tem-se que o custo total, excluída a indenização das terras a serem desapropriadas, para o assentamento de 2.300 famílias é da ordem de Cz$175,9 milhões. Chama-se a atenção para o volume requerido para crédito de investimento e custeio para os novos produtores rurais, da ordem de Cz$37,5 milhões.
VI. Situações Emergenciais
Este plano, assim como todos os demais que conformam o Plano Nacional de Reforma Agrária, incorpora situações previsíveis, planejáveis. Traduzindo o que efetivamente se realizará no campo, os planos operativos tomam por base essas situações e baseiam-se nos conhecimentos e informações hoje existentes.
No âmbito da reforma agrária, contudo, os eventos podem e costumam assumir cursos imprevisíveis, neste caso exigindo rápida e adequada resposta do poder público.
Assim, metas e recursos previstos neste plano poderão sofrer alterações durante sua implantação. Situações emergenciais examinar-se-ão no tempo e contexto apropriados.